quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Para vencer é preciso ser raçudo

Baiano de 40 anos, sagitariano, ator, humorista, autor teatral... Luis Miranda tem o carisma que encanta o público e jamais abandona suas raízes humildes e dignas da periferia de Salvador 

Baiano de 40 anos, sagitariano, ator, humorista, autor teatral... Luis Miranda tem o carisma que encanta o público e jamais abandona suas raízes humildes e dignas da periferia de Salvador. Tornou-se conhecido depois que encarnou o Moreno na série Sob Nova Direção, da Rede Globo. Em seguida, participou de Faça Sua História, Ó Pai Ó, Alice, Carandiru, Outras Histórias. Atualmente, está em cartaz com a peça 7 Conto, de sua autoria, que tem a direção de Ingrid Guimarães. No cinema, seu nome vem se destacando desde 2001 em Bicho de Sete Cabeças, Carandiru, O Signo da Cidade, Meu Nome é Johnny, O Diário de Tati, Jean Charles e Quincas Berro D’Água. E a partir de novembro, os cinéfilos que se preparem, porque Luis Miranda promete boas gargalhadas na pele de Buba, uma drag no longa Muita Calma Nessa Hora, com roteiro de Bruno Mazzeo. Nessa entrevista exclusiva, o ator Luis Miranda fala da carreira, do mais novo trabalho, de seu cotidiano na capital baiana e ainda dá dicas para os negros que querem seguir a carreira artística.

Fale de seu novo trabalho no cinema, Muita Calma Nessa Hora.
O convite surgiu do meu amigo Bruno Mazzeo, que já tinha trabalhado comigo no Sob Nova direção. Ele é roteirista e, acho (não tenho certeza) que escreveu o personagem pensando em mim, o que me deixou muito feliz. Depois veio o carinho de Augusto Case, que já virou um grande amigo com quem fiz o filme Ó Pai ó. (Aqui, vale a observação de Bruno Mazzeo sobre a criação do personagem Buba: “Não escrevi pensando no Luis, mas desde que Buba nasceu, nunca pensamos em outro nome”)
FOtO ALBA VASCONCELOS/DIVULGAÇÃO
E como é o seu personagem, a (o) Buba?
É uma drag, e não um travesti que, depois de viajar pelo mundo fazendo performance, resolve morar na tranquilidade de Búzios e se vira fazendo drinques afrodisíacos num carrinho bem descolado onde, além de vender seus drinques exclusivos, ainda faz suas performances. Amiga das meninas – Andréia Horta, Débora Lamm, Fernanda Souza e Gianne Albertoni – está sempre pronta a dar uns conselhos bem descolados, elevando o astral da galera.
O que a comédia significa na sua vida?
Eu sou uma pessoa que tem um humor muito próprio. Gosto de dar risadas, de fazer as pessoas rirem. O humor me faz aceitar as coisas de maneira mais leve e ver o outro lado mais divertido da vida. Se o humor não estivesse presente na minha vida, não seguraria essa onda de ser ator com tanto prazer.
Sua atração maior é pelo cinema, televisão ou teatro?
Sinto atração por arte! Nesse momento, estou em cartaz em Salvador, até novembro, com a minha peça 7 Conto 7, dirigida pela minha amiga Ingrid Guimarães. Estou estreando dois filmes: Muita Calma Nessa Hora e O Trampolim do Forte. Fiz As Cariocas, com Daniel Filho. Portanto, trabalho é meu tesão. Não importa onde ou o quê. Sinto que nasci para fazer isso, que estou vivo e que respiro arte por todos os lados. É uma sensação de prazer absoluto.
O que mudou em sua vida profissional a partir da TV? A popularidade da telinha ajudou?
Tem uma coisa que não posso deixar de citar que é a internet, pois eu tenho mais de um milhão de acessos. Isso me deu popularidade até no exterior. Meus filmes também ajudaram, mas entrar na casa das pessoas todos os domingos foi de fato uma virada profissional de popularidade e de carisma. Até hoje as pessoas me chamam de Moreno e têm simpatia pelo baiano que conquistou respeito e popularidade no teatro, na televisão e no cinema.
Como está a sua relação com a TV?
Não tenho recebido muitos convites para a TV. Faço participações em programas, séries e tenho feito vários filmes, além de estar em cartaz há quatro anos com o meu solo 7 Conto. Também não sou amigo de diretores de novela. Quem me chama pra fazer algo, me admira e gosta do meu trabalho. Não sei fazer luz. Só sei trabalhar e faço isso com muito prazer, sem puxar saco de ninguém.
Já passou algum constrangimento por conta de preconceito racial?
Ser conhecido evita muitos constrangimentos, mas ainda existe um preconceito muito velado com negros nesse país. Só que não fico me preocupando com isso. Estou mais interessado em construir um história de respeito para minha família, minha raça e meu país.
Mas antes de ser reconhecido, passou por algum constrangimento?
Uma vez fui até um departamento da USP, porque tinha recebido um prêmio, e fui hostilizado por uma funcionária. Fiz uma carta ao departamento dela, explicando o ocorrido e recebi uma carta com pedido de desculpas. A funcionária foi advertida. Isso foi o suficiente. Não estamos aqui para perseguir ninguém.

FOtOs DIVULGAÇÃO
Bruno Mazzeo é só elogios ao amigo. “Amo Luis Miranda. Um dos maiores astrais que eu conheço. Conviver com ele e seu talento durante as filmagens do Muita Calma foi um prazer indescritível. Ele estará comigo também no longa Cilada.com. Sempre que puder tê-lo por perto, não vou abrir mão!”
Como você analisa esse preconceito velado – racial e social – no Brasil?
Precisamos enfrentar isso com naturalidade e sem vergonha de sermos o que somos. A afirmação passa por isso também: de aceitar o que somos e lutar para ocupar os espaços naturalmente, sem bater cabeça. E, se for necessário, gritar. Grite para ser respeitado! Mas é necessário conhecer os seu direitos. Ler e se informar faz bem a todos.
Você é baiano, morou por uns tempos no Rio, em São Paulo e, agora, está de volta a Salvador. Voltou às origens?
Acho maravilhoso poder estar mais perto da minha família. Principalmente, da minha mãe. Perdi meu pai quando estava no palco e não pude me despedir e confortar minha mãe. Decidi que agora também sou dono do meu destino. Escrevi e produzi minha peça, com a qual me sustento, e só aceito o que me é conveniente fazer. Estou disposto a fazer tudo, mas minha casa é Salvador. Daqui me alimento, me energizo e rezo com meus Orixás! Nas horas de lazer fico na minha casa em Jacuípe, pescando, plantando, brincando com meus cachorros e vivendo como um ser humano comum longe das lentes e das celebridades.
Como estão seus projetos teatrais?
De vento em popa! Em cartaz em Salvador e cheio de convites para apresentar a peça em outras capitais. Estou na marca de 800 mil espectadores e tive um temporada estupenda em São Paulo. Estou muito feliz com esse resultado. Acredito que ano que vem estarei no Rio de Janeiro para comemorar os cinco anos de 7 Conto. Tenho recebido convites para montar outras peças, mas 7 Conto é o meu carro- chefe, que agora tem até camisetas assinadas por Alexandre Herchovitch. Dirigi meu primeiro espetáculo, O Ponto Cego, com Rafael Raposo. Um texto lindo da Lia Luft, que deve voltar em cartaz no Rio.
FOtO ALBA VASCONCELOS/DIVULGAÇÃO
Dona Editi (o retrato da mulher e mãe brasileira que vive se sacrificando pra criar os filhos) continua sendo sua personagem queridinha?
Ela vai continuar muito forte, mas outros personagens também cresceram e hoje, são tão amados quanto ela. Tem a Caroline, a criança negra que não tem ícones infantis; a milionária Sheila e o flanelinha Queixada. O público gosta dessa minha faceta camaleônica e pretendo fazer tudo cada vez mais.
Como surgiu a dona Editi?
Ela é resultado de minhas observações sobre o feminino: minhas vizinhas, minha mãe, minhas amigas...Sou de um bairro de periferia de Salvador chamado Pau da Lima e lá observava minhas vizinhas. Aí, com a militância política da época da USP, pensei que essa mulher tinha que ser uma porta-voz da alegria da favela, não só da miséria e tristeza ou vergonha de ser pobre e preto. Mas sim, orgulhosa, apesar da ignorância e do analfabetismo. Ela tem autoestima. Ela é a cara do povo brasileiro.
Como é interpretar uma mulher no palco?
Maravilhoso! Essa é arte do verdadeiro ator, se ‘metamorfosiar’, ser outro ou outras. Hoje, os atores estão preocupados em ficar bonitos pra vender produtos de beleza e esqueceram de atuar, se repetem em papéis que ninguém acredita mais. Estão vendendo o seu trabalho para as empresas vender produtos. Sou ator, então, posso ser bicho, bicha, homem, mulher, criança, bêbado, mendigo... Nasci para interpretar. Podem me dar o papel que for, grande ou pequeno, esse é o meu desafio.
Tem alguma dica de bem viver?
Procure não se levar muito a serio, nem achar que as suas coisas são as mais importantes. Releve e procure se colocar no lugar dos outros.
E sua relação com a dança? Você é formado pela UFBA, não é isso?
Não sou formado. Fiz curso, mas abandonei a dança para me dedicar só ao teatro. Uso a dança como complemento do meu trabalho. Adoro dançar, faço aulas quando posso e tenho vontade de fazer um espetáculo de dança no teatro.
A dança deveria estar presente na vida de todas as pessoas?
Sim. Dei aulas de lambada em São Paulo para me sustentar. Fui professor de corpo da Escola de Teatro Célia Helena e fiz muitos atores se aproximarem da dança. Coreografei vários espetáculos e ganhei prêmios como coreógrafo: um prêmio Coca- Cola por Faroeste Caboclo, de Paulo Faria, e o prêmio Nascente de dança da Abril Cultural. Salvador é conhecida por criar uma dança nova a cada carnaval. Sou baiano, a dança respira no meu sangue. Dançar é celebrar a vida e ritualizar a existência, fazendo uma comunhão com Deus e a natureza.
Que conselhos daria a jovens, negros e negras, que querem seguir a carreira artística?
Vale a pena enfrentar todos os preconceitos e adversidades? Alguém já disse antes: ‘Tudo vale a pena se alma não é pequena’. Se você vai ser mais um ou está apenas querendo aparecer, ou virar celebridade, procura um BBB. Quem sabe você ainda leva uma bolada? Agora, se você quer se modificar e transformar o mundo em que vive, comece trabalhando seu interior. Seja fiel aos seus princípios éticos, à sua natureza. Não venda seu corpo ou seu trabalho por banalidade. Tenha orgulho de ser quem é. Para vencer é preciso ser raçudo.

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